Setembro Amarelo: Um Compromisso Contínuo com a Saúde Mental
Setembro Amarelo, esse movimento global de prevenção ao suicídio, nasceu de uma profunda dor e se transformou em um farol de esperança. Ele conseguiu, e isso é inegável, romper barreiras significativas e trazer à tona um tema que, por muito tempo, foi silenciado. Mas, como em toda campanha de conscientização, surge um desafio: o esvaziamento.
Quando o calendário vira e o mês de setembro chega ao fim, a intensidade da conversa sobre saúde mental tende a diminuir. E isso, infelizmente, gera um impacto contrário ao que buscamos. Dados nacionais, mostram que, em vez de uma redução sustentada nos casos de sofrimento psíquico, observamos uma concentração maior nos meses seguintes ao Setembro Amarelo. Isso não é apenas um dado; é um alerta. E esse alerta grita a urgência de ações permanentes, que vão muito além de uma sazonalidade.
O sofrimento psíquico não respeita datas ou horários. Ele pode surgir às três da manhã de uma quarta-feira, no meio de um domingo aparentemente tranquilo, ou mesmo em ambientes de aparente estabilidade financeira e profissional. Reduzir a prevenção a uma postagem nas redes sociais ou a frases de autoajuda é ignorar a complexidade abissal desse problema. A campanha é um ponto de partida, um gatilho para a discussão, mas o verdadeiro cuidado, a transformação real, acontece no dia a dia, na continuidade.
Os fatores de risco são diversos: condições de saúde mental preexistentes, uso de substâncias, histórico de trauma, luto, dor crônica. Mas não podemos ignorar os determinantes sociais e culturais que pesam de forma decisiva. Desemprego, endividamento, violência, discriminação, isolamento, o estigma social e a pressão incessante por uma imagem de sucesso ininterrupto são fardos pesados para muitos. O desafio, portanto, não é apenas clínico; é social. Vivemos em uma cultura que oferece pouquíssimo espaço para a vulnerabilidade, onde pedir ajuda ainda é, erroneamente, associado à fraqueza.
É por isso que, muitas vezes, a maior barreira não é a falta de recursos ou de profissionais qualificados. O acesso a um psicólogo ou psiquiatra pode estar a apenas uma ligação de distância. No entanto, entre a dor e o telefone, existe um muro invisível: o medo do julgamento, o estigma avassalador, o receio de que um diagnóstico ou um registro médico possa manchar uma reputação construída com tanto esforço. Essa é uma das contradições mais cruéis da nossa era: ter todas as condições para viver, mas, paradoxalmente, faltar uma única razão para se levantar da cama.
A prevenção eficaz não se constrói apenas com símbolos ou datas comemorativas. Ela exige presença contínua, uma escuta verdadeiramente responsável e a construção de redes de apoio reais e robustas. Nosso trabalho, como clínica, é justamente oferecer esse espaço seguro e humano. Um ambiente capaz de acolher sem julgamentos, sem pressa, sustentado por protocolos clínicos sérios e uma equipe multidisciplinar preparada para lidar com a complexidade inerente ao sofrimento psíquico.
Reconhecer a complexidade da prevenção é entender que ela transcende as paredes do consultório. Ela envolve a construção de redes que conectam família, comunidade, escola, ambiente de trabalho e políticas públicas eficazes. Implica compreender que cada trajetória individual é moldada por determinantes sociais e culturais que influenciam tanto os riscos quanto as possibilidades de cuidado. E, acima de tudo, exige sustentar essa presença e esse apoio mesmo quando as grandes campanhas já não estão mais em evidência.
O Setembro Amarelo tem, sim, sua relevância inegável: ele rompe silêncios e coloca o tema da saúde mental na pauta. Mas ele se torna insuficiente se ficar restrito a apenas um mês. O cuidado em saúde mental precisa ser contínuo, estruturado e, acima de tudo, integrado. Que o amarelo não seja apenas uma cor no calendário, mas um lembrete diário e constante de que cada vida carrega uma história que merece ser escutada com seriedade, empatia e compromisso. Prevenir não é uma campanha; é um compromisso. Um compromisso que se traduz em presença real, escuta qualificada e políticas duradouras que transformam vidas.